Filhos e trabalho remoto: criando novas histórias

As primeiras reações que vi, ouvi, li ou percebi, lá no início da quarentena, deram um ar de preocupação.

Parecia que muitos pais não estavam confortáveis com a ideia de estarem 24 horas com seus filhos. Parece cruel, e insensível, mas não sejamos insensíveis.

Muitos de nós tem a paternidade ou maternidade sendo construídos dia após dia. Somos pais e mães em formação, e não podemos nos condenar (ou condenar o vizinho) pelos erros.

Bom, partindo deste “combinado”, sigamos.

Os casos mais comuns envolvem um convívio mais próximo dos pais e filhos o dia todo somente no momento “bebê” da criança. É quando abrimos mão das outras coisas pra nos dedicarmos a quem, de fato, precisa dessa dedicação. Lá vem história!

Mas, de repente, uma onda nos atinge, como um tsunami, e nos coloca ilhados em nossas próprias casas. Meu Deus! E com nossa família! Meu Deeeeus!

Aquele ritual que fazíamos não era mais o mesmo. E praticamente ninguém estava de férias. Acordar cedo, tomar café, escovar os dentes, tomar banho, se arrumar, levar pra escola, trabalhar, buscar na escola… Tá, pode ser uma rotina diferente da que você levava. Talvez você nem se lembre dela, mas era uma rotina. E você nem fazia ideia de como essa rotina era saudável…

Aí você começou a perceber o papel da escola, e uns até pediram socorro. Vieram as aulas online, e você não sabe se ficou melhor ou pior (Um assunto que rende muuuuuita coisa, mas não pra agora). 

Láááá no fundo você esperava que fosse algo rápido, mas não aconteceu. Seu trabalho foi enviado pra casa. Sim, é isso mesmo. Uns levaram equipamentos pra casa, outros tiveram que adaptar os seus, mas o equipamento não era o problema. Pelo menos não era o maior deles…

Criança ociosa pede atenção

Aqui está o segredo de muitos desdobramentos dessa relação.

Quer mais? Você está em casa, mas não está totalmente disponível. Explique isso pro seu filho de 3 anos.

Pras crianças, papai e mamãe em casa era significado de atenção plena. Geralmente eram férias ou fins de semana, mas agora era todos os dias. As pessoas, no início, completamente isoladas com medo de contaminação. Então, o cérebro que esperava atenção plena, brincadeiras, leveza, perderam a referência. 

Muitas coisas se explicam com palavras. Muitas outras com ações. Mas havia um meio termo.

É aí que entram as histórias…

Histórias são usadas, normalmente, como entretenimento. Não muito estranho os contadores de história se fantasiarem, usarem música como acessório, tirando o foco do texto, às vezes. Nada contra. Se o intuito é entreter, valem diversos recursos.

Mas as histórias são, como costumo dizer, uma “via de mão dupla”. De um lado, o fluxo tradicional de como conhecemos as histórias. O adulto conta algum conto, atrai a atenção da criança, a deixa entretida, e todo mundo sai feliz, a depender do final da história.

Como saber se trecho de rodovia é mão única ou dupla

Na outra via, os filhos contam histórias pros adultos, e com elas um monte de sentimentos, alegrias, sonhos, frustrações, e até pedido de socorro.

Sério? Isso tudo? Nunca percebi.

Quantas vezes contei uma história pras meninas abordando um tema, digamos, sensível, mas usando livros (dê uma olhada pra ver quantos abordam temas delicados) ou mesmo criando minhas histórias, de forma a fazer com que associassem alguns pontos que eu julgava mais delicados. E funcionava…

Em uma reunião de negócios, onde eu apresentava meu aplicativo para uma rede de educação que pretendia anexar histórias minhas em seus conteúdos, minhas filhas interromperam o diálogo com algumas demandas extremamente “sérias”. Papai, a minha irmã falou que eu não posso usar o lápis verde dela. Mas papai, meu verde tá acabando. Acham que me senti envergonhado? Constrangido? Claro que não. Todos ali sabiam do meu papel de pai, do meu ambiente familiar misturado com o ambiente de negócios, e deixei claro que aquilo não me incomodava, e que eu esperava que não os incomodasse também. Acho que foi a “cereja do bolo”. Acho que queriam alguém que fosse “de verdade”.

Mas então, estamos aqui ouvindo esse papo até agora esperando umas dicas

E quem não gosta de umas dicas?

Dicas podem ser difíceis de digerir, mas vamos lá: estabelecer uma rotina nova foi primordial aqui em casa. Sim, com horários, com atividades pré-definidas, com regras.

De tantas atividades sugeridas por especialistas e mais especialistas, nas milhares de lives mundo afora, acabamos experimentando coisas mais simples, mesmo antes das sugestões.

A criatividade virou o centro das atenções. Brincar com o que se tem, pular corda, ainda que a corda seja virtual, correr sem sair do lugar, esconder onde todos sabem, amassar a canela na quina da mesa da sala, pra depois se lembrar de arrastá-la para um canto. E por aí foi. Está indo. Vai.

E papel. Como o papel teve um papel importante aqui em casa. Desenhos, cores, dobraduras. Sei lá. Deixamos as crianças criarem. Eles são bons nisso. Percebam. 

Aos poucos as coisas foram se ajeitando. Se encaixando. O estranho passou a não ser tão estranho assim. 

Já pensou em pedir que seus filhos, de forma individual, contassem uma história de uma criança (aí você adapta a realidade da sua família. Se tem irmãos, avós, sei lá) em quarentena?

Talvez possa te mostrar os pontos que estão incomodando, pra você buscar solução. Talvez. Não tem regra. Nem manual. Tem que tentar. 

O que eu gostaria é que você visse as histórias, a contação de histórias, aquele recurso que se usa há tanto tempo (com sucesso!) como sendo algo simples, fácil e gratuito pra você preencher alguns espaços, e que pode te ajudar também no que eu prego e prezo para que ocorra entre pais e filhos: conexão.

Pra complementar, te faço um desafio: faça o teste que sugeri, e grave um vídeo me contando. Vai ser ótimo saber.

Bons sonhos!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *